17:07 01/08
Nossa pesquisa revela várias características comuns a distintas cartadas estratégicas que criam oceanos azuis. Descobrimos que o criador de oceanos azuis, diferentemente de empresas que seguem as normas tradicionais, nunca usa a concorrência como referência. Antes, torna as rivais irrelevantes ao gerar um salto de valor tanto para compradores quanto para a própria empresa (o quadro “Oceano vermelho versus oceano azul” compara as principais características dos dois modelos estratégicos).
Leia abaixo o texto
Talvez a mais importante característica da estratégia do oceano azul seja a rejeição do princípio básico da estratégia convencional: que há um jogo de concessões entre valor e custo. Segundo tal tese, uma empresa pode ou gerar maior valor para o consumidor a um custo maior ou gerar um valor razoável a um custo menor.
Ou seja, a estratégia é basicamente a opção por diferenciação ou baixo custo. Mas, quando se trata de criar um oceano azul, os fatos demonstram que empresas de sucesso buscam diferenciação e baixo custo simultaneamente.
Para vermos como isso ocorre, voltemos ao Cirque du Soleil. À época da estréia da companhia, a estratégia dos circos era se comparar aos rivais e maximizar sua parcela da demanda minguante com modificações em números circenses tradicionais. Isso significava, entre outras coisas, atrair mais palhaços e domadores de animais famosos — o que elevava a estrutura de custos do circo e não alterava muito a experiência do público. O resultado eram custos crescentes sem a alta da receita e uma queda em espiral da demanda.
Aí surge o Cirque. Em vez de seguir a lógica convencional de bater a concorrência oferecendo uma solução melhor para o problema em pauta — criar um circo com diversão e atrações ainda melhores — o Cirque redefiniu o problema ao agregar à diversão e às atrações do circo a sofisticação intelectual e a riqueza artística do teatro.
Ao montar espetáculos que satisfaziam as duas necessidades, o Cirque teve de reavaliar os elementos do circo tradicional. Descobriu que muitos dos elementos considerados essenciais para a diversão e a atração do circo eram desnecessários e, em muitos casos, onerosos. A maioria dos circos, por exemplo, apresenta números com animais.
É um fardo econômico pesado, já que o circo gasta não só com a alimentação do bicho, mas com treinamento, assistência médica, alojamento, seguro e transporte. O Cirque constatou, porém, que o apetite por números com animais vinha em rápida queda devido à crescente inquietação pública sobre o tratamento dispensado a animais confinados e à ética de sua exibição.
Na mesma veia, embora o circo tradicional vendesse seus artistas como celebridades, o Cirque percebeu que o público já não considerava o artista de circo como tal, ao menos não no sentido atribuído a celebridades do cinema. Aboliu também o esquema tradicional de três picadeiros — que não só confundia um público forçado a desviar a atenção de um picadeiro para outro como também elevava o número de artistas exigidos, com óbvios reflexos no custo.
E, embora a venda de produtos nas arquibancadas parecesse uma boa maneira de gerar receita, os altos preços impediam que os pais comprassem qualquer coisa e faziam com que se sentissem ludibriados.
O Cirque percebeu que o apelo duradouro do circo tradicional vinha de apenas três fatores: o palhaço, a lona e números acrobáticos clássicos. Por isso manteve os palhaços, embora com um humor de estilo menos picaresco e mais onírico, sofisticado.
Deu glamour à lona, que muitos circos haviam abandonado em favor de instalações alugadas. Percebendo que a lona, mais do que qualquer coisa, representava a mágica do circo, o Cirque projetou esse clássico símbolo com um requintado acabamento externo e um alto nível de conforto interno para o público — dando adeus à serragem e a arquibancadas duras. Acrobatas e artistas de destaque foram mantidos, mas com papéis reduzidos e números mais elegantes e artísticos.
Enquanto deixava de lado parte dos elementos tradicionais do circo, o Cirque injetava novos, tirados do mundo do teatro. Ao contrário do espetáculo circense tradicional, que traz uma série de números desconectados, cada criação do Cirque lembra uma produção teatral, no sentido de ter um tema e um enredo. Embora sejam temas intencionalmente vagos, agregam harmonia e um elemento intelectual aos números.
O Cirque também buscou idéias na Broadway. Ou seja, em vez de encenar o tradicional espetáculo, sempre igual, faz várias produções com diferentes temas e enredos. Assim como na Broadway, cada espetáculo do Cirque tem uma trilha sonora original que conduz a performance, a iluminação e a duração dos números, e não o contrário.
As produções têm dança abstrata e espiritual, idéia tirada do teatro e do balé. Ao introduzir tais fatores, o Cirque criou um produto de entretenimento altamente sofisticado. E, ao apresentar produções diversas, dá ao público razão para ir ao circo mais vezes, aumentando assim sua receita.
O Cirque oferece o melhor tanto do circo como do teatro. Ao dar fim a muitos dos elementos mais caros do espetáculo circense, a companhia conseguiu reduzir drasticamente sua estrutura de custos, obtendo tanto diferenciação como baixo custo (para uma descrição da lógica econômica subjacente à estratégia do oceano azul,veja o quadro “A busca simultânea de diferenciação e baixo custo”).
Ao derrubar os custos e simultaneamente elevar o valor para o público, uma empresa pode dar um salto de valor para ela e para a clientela. Uma vez que o valor para o comprador deriva da utilidade e do preço que a empresa oferece, e a empresa gera valor para si por meio da estrutura de custos e do preço, a estratégia do oceano azul só dá certo quando todo o sistema de utilidade, preço e custo das atividades está corretamente alinhado. É essa abordagem sistêmica e integrada que torna a criação de oceanos azuis uma estratégia sustentável. Tal estratégia integra o leque de atividades operacionais e funcionais de uma empresa.
Rejeitar a escolha entre baixo custo e diferenciação implica uma mudança fundamental na mentalidade estratégica — mudança mais fundamental do que se imagina. O pressuposto básico do oceano vermelho de que as condições estruturais de um setor são imutáveis e que cabe às empresas competir nesse contexto se baseia numa perspectiva intelectual que os acadêmicos chamam de estruturalista, ou determinismo ambiental.
Segundo essa perspectiva, empresas e administradores estão em grande medida à mercê de forças econômicas maiores. A estratégia do oceano azul, por sua vez, é fundada numa visão de mundo na qual fronteiras de mercado e setores podem ser reconstruídos pelas ações e crenças de quem atua no setor. Chamamos a isso de abordagem reconstrucionista.
Os fundadores do Cirque du Soleil claramente não se sentiram impelidos a agir dentro dos limites do setor. O Cirque é de fato um circo, com tudo o que aboliu, reduziu, aumentou e criou? Ou é teatro? Se é teatro, qual o gênero — espetáculo da Broadway, ópera ou balé?
A mágica do Cirque foi criada por meio da reconstrução de elementos tirados de todas essas alternativas. No final, o Cirque não é nada disso e um pouco de cada. De dentro dos oceanos vermelhos do teatro e do circo, o Cirque criou um oceano azul de mercado virgem que, por ora, não tem nome.
Parte 5
W. Chan Kim é titular da cátedra Boston Consulting Group Bruce D. Henderson Chair Professor of Strategy and International Management no Insead, em Fontainebleau, França. Renée Mauborgne é Distinguished Fellow do Insead e professora de estratégia e administração na instituição. Este artigo foi adaptado de um livro da dupla, Blue Ocean Strategy: How to Create Uncontested Market Space and Make the Competition Irrelevant, a ser lançado em 2005 pela Harvard Business School Press.
terça-feira, 29 de abril de 2008
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